“Em 10 anos a Campanha Reaja
escreveu a teoria geral do fracasso
Por que se sucesso é fazer
Promoção da Igualdade
Se sucesso é sentar com o
inimigo diante do sangue do nosso Povo
Se sucesso é ficar fazendo essa
política que se tem feito
em nome de negros e
negras nesse país
Nós preferimos o fracasso de
enfrentar o terror nas ruas”
Dr. Hamilton Borges Walê,
em
pronunciamento no ato de 10 anos
da Campanha Reaja ou será Mortx.
Na
última terça-feira (12.05.2015) em Periperi, subúrbio ferroviário de Salvador-BA,
um grupamento da RONDESP entrou atirando a esmo na comunidade da Cidade de
Plástico, atingindo o crânio de uma jovem com um tiro de fuzil. Dayllane, 21
anos, estava na frente de sua casa cuidando do sobrinho, filho de sua irmã
gêmea e foi alvejada quando tentava tirar o menino da linha de tiro dos
policiais. Esse caso de execução sumária seria mais um número nas estatísticas
macabras da SSP-BA[1], entretanto, o terrorismo racial policial
não contava que a Ocupação Zeferina[2] está
no perímetro de ação de militantes do Núcleo de Mães e Familiares do Estado Racista
Brasileiro. Poucas horas depois a mídia de rapina televisionou por terra e
por ar a Avenida Suburbana arder em chamas e fumaça preta.
Na mesma época, há
10 anos, assim como hoje em Periperi, um grupo de mulheres e homens negros
tomaram a decisão política de não aceitar o próximo corpo negro tombado no
chão, ocupando por cerca de 12 horas a sede da SSP-BA, revelando para toda
sociedade brasileira o projeto civilizacional em curso que mata negros/as todos
os dias: o Genocídio. Eis então que em maio de 2005 emerge do submundo de vilas,
favelas e presídios, uma perspectiva de luta radical negra que não faz
concessões quando o que está em xeque é a vida de nosso Povo. É a Campanha
Reaja ou Será Morta/o, uma tradição radical de luta negra comunitária, o
flagelo da promoção da igualdade racial, o inimigo número um do supremacismo
branco de esquerda e direita.
Minha
ambição com esse escrito é elaborar um balanço estratégico de 10 anos da
Campanha Reaja, a luz da Teoria Geral do Fracasso (BORGES WALÊ). A tarefa é trilhar os percursos táticos para a
consolidação de nossa tradição radical negra que, há uma década, trata-se da
centralidade na luta Contra o Genocídio do Povo Negro como peça chave para
consolidação, em médio prazo, de um padrão organizacional semelhante ou
correlato a um Exército de Libertação Nacional, sendo assim, esse escrito é especificamente uma análise organizacional, muita inspirada, admito, no
pensamento teórico-militar pan-africanista de mulheres negras como Assata
Shakur, Afeni Shakur, Dra. Andreia Beatriz e a General Winnie Mandela.
A primeira questão é
conjuntural e interna, do ponto de vista da política racial comunitária. É
importante ser dito que desde a fundação da Campanha Reaja afirmamos que a
nossa luta está para além da conjuntura. Com isso dizíamos que a constante
brutalidade policial em territórios sócio-racialmente apartados; o
encarceramento em massa de negros/as por uma política criminal racialmente
seletiva; o terror racial protagonizado por grupos de extermínio em favelas e
os altos índices de assassinatos de jovens negros por ação ou omissão do Estado
fazem parte das engrenagens de um projeto civilizacional supremacista branco,
que reservava apenas submissão ou morte para negros\as: Genocídio.
Uma década depois,
nossa avaliação estratégica confirmou-se, revelando inclusive como a
sofisticada teia de cooptação racial que envolve um setor hegemônico do
movimento negro tem sido uma importante peça na montagem de dispositivos de
subjugação racial que justificam ideologicamente o Genocídio Negro em curso.
Como admitiu vergonhosamente um representante da Secretaria Nacional de
Promoção da Igualdade Racial, na Comissão Interamericana de direitos humanos da
OEA. Mesmo diante de pomposas dotações orçamentarias gastas nos últimos anos em
programas públicos e privados de promoção da igualdade racial, os altos índices
de letalidade de jovens negros continuam a aumentar calamitosamente, atingindo
cifras que nem mesmo se comparam a países oficialmente em guerra civil.
Sendo
assim, de maneira geral, nos últimos doze anos as Secretarias de Promoção da
Igualdade, o Programa Juventude Viva, a Fundação Cultural Palmares, dentre
outras facetas do projeto falido de incorporação racial, tem se caracterizado
como estruturas formais de rendição
e subjugação racial, em que uma elite negra intelectualmente
domesticada em centro de pesquisas e racialmente submetida aos desmandos de uma
esquerda branca historicamente racista, tem negociado e colaborado
ideologicamente com o Genocídio do Povo Negro no Brasil.
Também
podemos citar os dados politicamente sub-notificados do Mapa da Violência (2012;
2013; 2014) como outra faceta das tecnologias de subjugação racial. Um novo lobby financeiro xerifado racialmente por Julio Jacobo
Waiselfiesz e recentemente carniçado pelos bons menino\as do Programa
Juventude Viva. Para além da falência estrutural desses programas e relatórios
do Governo, é um escândalo internacional que organizações de familiares de
vítimas do Estado, que há mais de 30 anos denunciam e se organizam contra a
matança generalizada, não tenham acesso, muito menos o protagonismo e controle
do processo de construção e elaboração dos Mapas da Violência.
Em
10 anos de atuação ostensiva de luta organizada Contra o Genocídio do Povo
Negro, a Campanha reaja se confirma como uma poderosa articulação comunitária
que tem a peculiaridade de ser estruturada fundamentalmente a partir de dois
territórios comunitários: a Associação de Familiares de Amigos\as de Presos\as
da Bahia (ASFAP) e os Núcleos de Mães, Familiares e Vítimas do Estado Racista
Brasileiro. Desta forma, com postos
avançados em Salvador, região metropolitana e interior da Bahia, estas duas
instâncias são os veículos comunitários primários de agitação, comunicação e
mobilização da Campanha Reaja nas ruas, favelas, vilas, e penitenciárias. São
dessas estruturas comunitárias que estabelecemos nosso Conselho Subterrâneo Estratégico, estrutura máxima
de nossa organização, responsável inclusive pela formulação e direção de duas
Marchas (Inter)Nacionais Contra o Genocídio do Povo Negro (2014 e 2015).
De
fato as famílias são as unidades básicas de direção política de nossa
organização. Para muitos essa característica é um equívoco, um erro
estratégico, ou mesmo personalismo político. Não nos importa, “gosta
de nós? Tanto faz, tanto fez” (RACIONAIS MCS). Para nós, o
fato da articulação comunitária partir da unidade familiar confirma nossa
identidade ideológica filiada ao Pan-africanismo Comunitário, Garveísta na
organização e Panterista na ação. Estamos fora do alcance dos radares
organizativos do supremacismo branco de quaisquer colorações ideológicas, ou
mesmo dos nossos primos, que se sentem importantes, sabidos e intocáveis por
lerem algumas linhas em ingrês de Maulana Karenga. Nós não somos um
Movimento de quadros, muito menos de uma intelectualidade negra iluminada, que
com muita empáfia sentem-se no direito
divino manifesto de
decidir o melhor para os pretos\as. Entendam e nos deixem em paz de uma vez por
todas: a Reaja é uma instituição familiar negra com toda delícia e dor do
significado.
Decidimos enfrentar
o terror racial nas ruas transformando becos e vielas no centro de gravidade da
nossa organização. É na rua que arregimentamos militantes. Na rua que
consolidamos nosso programa de formação comunitária. É na rua que combatemos o
racismo e neocolonialismo. Foi a partir dessa metodologia de combate racial nas
ruas que acumulamos condições para construção das duas Marchas, muitos não
sabem, mas sua concepção surgiu de um debate em uma cela fria na penitenciária
Lemos de Brito, em Salvador-BA. A Marcha é uma poderosa espada de
insurgência racial, veio da necessidade de defendermos nosso postulado político
onde realmente importa: na rua e com o grosso de nosso Povo. Uma ação
coordenada, orientada por princípios inegociáveis e lideradas por mulheres
negras. As duas Marchas Internacionais que realizamos e as próximas que virão
são as colunas de fundação de um novo momento na política racial na América do
Sul.
Uma década enfrentando o terror racial nas ruas nos trouxe sangrentas lições: telefones grampeados; campanhas públicas de difamação-criminalização; sabotagem; militantes presos, tendo suas casas invadidas por guarnições policiais, ou mesmo, assassinadas por esquadrões da morte. Nós sabemos que o regime de tensão, violência e risco de morte são aspectos cotidianamente presentes em nossa luta racial comunitária e que, contraditoriamente, foram fatores importantes para o engate de programas comunitários de autodefesa, a maioria de ordem subterrânea e, portanto, inenarráveis, e outros, públicos e notórios em nossa postura, conduta e cultura política de enfrentamento racial nas ruas.
Uma década enfrentando o terror racial nas ruas nos trouxe sangrentas lições: telefones grampeados; campanhas públicas de difamação-criminalização; sabotagem; militantes presos, tendo suas casas invadidas por guarnições policiais, ou mesmo, assassinadas por esquadrões da morte. Nós sabemos que o regime de tensão, violência e risco de morte são aspectos cotidianamente presentes em nossa luta racial comunitária e que, contraditoriamente, foram fatores importantes para o engate de programas comunitários de autodefesa, a maioria de ordem subterrânea e, portanto, inenarráveis, e outros, públicos e notórios em nossa postura, conduta e cultura política de enfrentamento racial nas ruas.
A
Campanha Reaja reacendeu o medo psicológico do Haitianismo na elite racial
dominante. No século XIX, após a vitoriosa revolução haitiana, dirigida pelos
chamados Jacobinos Negros, como já adjetivou o militante negro C.L.R. James, as
elites brancas do então mundo ocidental escravagista sofreram um forte golpe
político, econômico e psicológico na manutenção do seu status quo Racial.
Em qualquer sociedade ocidental fundada no escravismo racial, as elites brancas
e seus assessores negros\as capitulados racialmente, compartilham dessa fobia
coletiva: o medo do Haitianismo. Ou seja, o temor do povo negro construir
condições organizacionais para conspirar, planejar e se rebelar radicalmente
contra o supremacismo branco de quaisquer colorações ideológicas. É uma
patologia coletiva que faz parte do arsenal de dispositivos que dão combustível
ao Genocídio do Povo Negro.
Ao
contrário do que sorrateiramente sussurram nossos\as opositores/a, nós não
somos, nem tentamos parecer, santos, loucos, ou muito menos profetas. Nós somos
a fúria negra que ressuscita outra vez. Como declaramos nas escadarias da
SSP-BA no ato público de 10 anos da Campanha Reaja: nós somos um movimento negro
comunitário de massas, articulado transnacionalmente a partir de
nossa filiação a IV Internacional Garveísta. Nós somos a antessala da guerra
racial generalizada que derramará o sangue de nossos inimigos, viemos para
destruir e construir as condições para consolidação do exército de libertação
nacional que emergirá do submundo, ateando fogo nas estruturas do mundo
Ocidental. FOGO!
Por combatente Fred Aganju, educador comunitário e articulador da Campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta!
CONTRA O GENOCÍDIO DO POVO NEGRO, NENHUM PASSO ATRÁS!
[1] Secretaria de Segurança Pública da Bahia
[2] A Cidade de Plástico, como é mais conhecida a Comunidade Zeferina, é uma histórica ocupação urbana do Movimento Sem Teto da Bahia, Movimento que há anos protagoniza uma luta por reforma urbana em todo o Estado da Bahia.
[2] A Cidade de Plástico, como é mais conhecida a Comunidade Zeferina, é uma histórica ocupação urbana do Movimento Sem Teto da Bahia, Movimento que há anos protagoniza uma luta por reforma urbana em todo o Estado da Bahia.
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